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17 dezembro 2012

O SILÊNCIO

De: Adriane Dias Bueno

Enfim, estou aqui sozinha. Sinto o frio daquelas coisas que perdi. Sinto o gelo do apartamento vazio, completamente escuro sem tua presença. Eu sei, a culpa é minha. Nada resta a dizer, além disso: fui eu
que escolhi.

Eu me pergunto onde tu estás, o que fazes ou o que podes estar sentindo agora. E saber que, talvez, muito provavelmente, tu nunca sentiste nada e que estás feliz, me dói como a ressaca de uma bebedeira que não tomei, mas sinto que me embriagou. Talvez seja apenas saudade, talvez apenas o despeito pelo que obtiveste sem mim, e por aquilo que nunca recebi de ti. Que fazer? Sempre fui invejosa da felicidade alheia, porque ela nunca me sorriu, mesmo quando consegui te ter perto de mim.

Eu faço o que então? Eu me arrasto, me humilho, peço que voltes, mesmo que nunca tenhas estado comigo? Ou, como sempre, finjo um orgulho que não sinto e te mantenho a distância? Porque eu, querendo, não te quero, mas o desejo ainda está aqui, latejando sob minha pele, entre meus joelhos e meus olhos.

E sinto a tua mão, que somente de forma breve roçou minha pele. Repriso quadro a quadro a sensação de dor e formigamento que me tomou. O gesto ficou incompleto e por isso te odeio, mesmo sabendo que, intimamente, minha amargura só persiste porque ainda espero o ato completo.

Nada pode fazer os ponteiros do relógio girarem em sentido anti-horário. E tu não irás regressar, embora nunca tenhas ficado por muito tempo. Eu nunca vou sentir teus lábios, nunca terei teu carinho e nunca partilharei nada contigo.

Isso é muito complexo e não aceito essa situação, embora eu me resigne, como o artista se acostuma com a sua má atuação nas várias noites que preferiu consumir uma garrafa de uísque a realizar um belo espetáculo. E foi vaiado e expulso do palco, teimando em voltar, bêbado, somente para mais uma vez sofrer o repúdio.

Tu me repudiaste, eu senti isso e a sensação foi a de uma faca rasgando meu couro já um tanto endurecido. E eu me repeli, porque não aceito o que aconteceu, e preferi ficar nas sombras para que nada percebesses, muito embora suspeitasses.

E escolhi nunca mais te ver, porque a dor e a vergonha eram maiores do que tudo, mesmo sabendo que isso traria o inferno para minha vida. Não o de Dante, não o dos crentes, mas aquele que provém da total inexistência que um ser sente em relação a outro. Porque, na realidade, o inferno é somente isso: um estado total de inexistência.
Essa situação não me causa pânico, a não ser por saber que, mesmo antes de morrer, já não existo para ti. Então, eu ainda prefiro manter meu ego intacto a admitir qualquer sentimento.

Por isso, eu não sei se confesso ou esqueço tudo bebericando um drink num boteco qualquer de uma freguesia duvidosa. Eu somente sei que tudo está confuso. Quero esquecer essa mistura amarga, mas sou por demais sentimental e por demais insensível para esquecer tua indiferença. Minha vaidade não me permite admitir que eu fui irreversivelmente obliterada por ti. Aliás, nunca fui sequer lembrada.

Confesso, entretanto: eu ainda te espero na mesma decrépita estação rodoviária, onde um dia me disseste que ias a tua pátria, mas não me contaste que partirias de vez. Eu te espero ali, até que chegue o último ônibus, mesmo sabendo que não estarás nele.
Estou na estação agora, aguardando. Quando o último passageiro sai e percebo que não voltaste novamente, só me resta ir dormir e acordar mais uma vez de ressaca, porque eu não admito isso: que a espera é inútil, pois eu sei que nunca deveria ter começado a esperar e que essa renúncia faz parte da vida que escolhi.

Tu não voltarás, porque nunca desejaste isso.

E eu, eu não deveria me arrepender da vida que abracei.

Por isso, serei eternamente ‘o silêncio’, porque eu te amei, com aquele tipo de amor que causa tanto querer que chega a quebrar o corpo, mas não se pode jamais admitir que ele existiu.

2 comentários:

  1. Ficou lindo Kátia!!!!
    Muito obrigada.
    Sem palavras.

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    Respostas
    1. Beijos Adriane, eu que lhe agradeço, completamente identificada lindinha, beijos meus

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